Sobre o papel histórico de Wikileaks

Julian Assange em entrevista com ZH 

“Nossas publicações de 2010 se tornaram a base para numerosas ações judiciais por vítimas de crimes e abusos de guerra pelos Estados Unidos, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos aos tribunais britânicos, ao Tribunal Internacional Criminal para a ex-Iugoslávia e ao Tribunal Penal Internacional. Só isso é “mudança” – mudança muito real para pessoas reais, que eram incapazes de levar seus casos à justiça e fazer sua defesa, e agora o são. E há o grande número de grupos de direitos humanos e organizações da sociedade civil para os quais nossas publicações fizeram uma grande diferença. Grupos como Iraq Body Count (Contagem de Corpos no Iraque), que pôde usar nossos War Logs para calcular o verdadeiro número de mortos na Guerra do Iraque, ou Public Interest Lawyers, que foi capaz de usar os documentos como fonte para seus clientes em casos de prisão e tortura. Redes de ativistas de direitos autorais como La Quadrature du Net, que usou nossos despachos para investigar a utilização de lobbies corporativos secretos para introduzir restrições ao comércio e impor leis favoráveis aos Estados Unidos. Jornalistas investigativos como o Bureau de Jornalismo Investigativo, que usou nossos materiais para reconstruir a narrativa de sérios abusos contra os direitos humanos.”

Qual foi o impacto histórico do WikiLeaks até agora? 
Nossas publicações também mudaram a forma como o jornalismo é feito. Antes do WikiLeaks, não havia precedente real para trabalho em larga escala com bases de dados. Desde que começamos a fazer isso, outros nos copiaram. Não havia precedente de amplas colaborações jornalísticas de interesse público entre jornais comerciais concorrentes. Demos início a isso, e outros estão fazendo o mesmo agora. Antes do WikiLeaks, ninguém dava importância a informações de segurança para jornalistas, ninguém pensava em usar criptografia para facilitar grandes vazamentos de fontes públicas. Agora essa é a única opção disponível. Mostramos o caminho para se fazer isso, e agora, como consequência também das revelações de Edward Snowden, que se apoiam nos avanços que possibilitamos, jornalistas estão levando isso a sério. Isso é um mar de mudança na cultura do jornalismo. Colocando um grande corpo de correspondência diplomática em domínio público, o Despachogate e suas sequelas elevaram o nível de alfabetização política para nossa geração. Nos últimos quatro anos, jornais de todo o mundo têm usado diariamente nossos materiais para apoiar suas apurações e noticiar suas consequências, em vez de correr para os analistas oficialistas. Essa é uma grande mudança em como nossa civilização entende suas circunstâncias históricas, e pode-se esperar que produza mudanças em cascata no futuro. Há também a imensurável, mas previsível consequência de nossas publicações, que é o fato de, depois das publicações, funcionários do governo americano saberem agora que cada palavra que escrevem pode um dia se tornar pública. Esse é um forte desestímulo contra os tipos de abusos sobre os quais podemos ler em seus despachos. Eles agora sabem que o segredo não vai proteger quem age de forma indevida. Essa é uma grande mudança, porque funciona como uma checagem da conduta dos burocratas do poder americano. E essas são apenas algumas das grandes mudanças. Mas há também aquelas mais particulares. Muitas pessoas argumentaram que nosso trabalho produziu mudanças muito concretas no mundo. Por exemplo, a Anistia Internacional e a BBC disseram que nosso trabalho contribuiu para o início da Primavera Árabe, porque nossas publicações foram uma causa das manifestações no final de dezembro de 2010 na Tunísia, quando a revolução começou. Os detalhes completos disso são dados no meu livro, mas muitos na revolução tunisiana, e mesmo um ex-ministro no governo de Ben Ali, disseram que nossas publicações “quebraram a espinha do sistema de Ben Ali”. Esses acontecimentos contribuíram para grandes mudanças históricas, nas quais outras forças intervieram, e desde então houve mudanças em cascata em todo o mundo. Nem toda mudança foi boa, mas uma parte foi boa. Isso é mudança?”